Tuesday, November 16, 2010

lugar

entrava no comboio sempre à mesma hora, na mesma carruagem, na mesma porta. e procurava o seu lugar. hoje estava ocupado por uma velha com ar remelento. cabelos gordurosos, pele resseca, unhas sujas, os cantos da boca sujos de castanho, os joelhos tristes.
não gostou da visão e virou-se.
entrava no comboio sempre à mesma hora. eram doze minutos de viagem.
entrava no comboio sempre à mesma hora com tantas esperanças.
saía do comboio quase sempre à mesma hora, sempre na mesma estação.
ficava de pé na plataforma a ver o comboio seguir viagem sem ela. era triste.
nunca saía da estação, nem sequer da plataforma.
virava-se para a outra linha. via as pessoas, sempre as mesmas.
e quando o comboio chegava, entrava. pensava, deve ser o mesmo. já voltou.
entrou. e a velha remelosa lá estava. perturbava-lhe o ritual, a reza e o compasso de espera.
voltou com a certeza de nunca mais apanhar aquele comboio.
deixou-o para a velha.
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